Insetos: conflito sexual ao extremo


Foto:  Oliver Koemmerling
Em muitos animais, as fêmeas respondem ao acasalamento com mudanças na fisiologia e no comportamento que são desencadeados por moléculas transferidas pelos machos durante o acasalamento. O conflito entre os sexos pode resultar em antagonismo sexual - coevolução, uma espécie de corrida armamentista evolutiva em que machos e fêmeas desenvolvem estruturas e comportamentos que fortalecem suas próprias estratégias de condicionamento físico, mesmo que essas estratégias entrem em conflito com o sexo oposto.

As louva-a-deus fêmeas têm o hábito de matar e comer seus parceiros durante o ato sexual, o que é bem chato para os machos. Ou será que não? O canibalismo sexual ocorre quando uma fêmea consome um macho antes, durante ou após o acasalamento. As taxas de canibalismo sexual são altamente variáveis entre as espécies. Nos mantídeos que exibem canibalismo sexual, ocorre em 13 a 28% dos encontros naturais para a cópula, proporcionando assim uma mortalidade significativa nos machos durante a reprodução. Ao contrário de algumas aranhas sexualmente canibais, os mantídeos machos podem acasalar-se repetidamente e potencialmente fertilizar várias fêmeas durante a vida. Assim, os mantídeos machos devem estar sob seleção significativa para reduzir o custo da presa de um parceiro.

Na espécie Cimex lectularius observamos um sistema reprodutivo que levou sexual e repetidamente a coevolução antagônica: a inseminação traumática. A inseminação traumática ocorre fora do trato genital feminino: o macho perfura o corpo da fêmea com genitália hipodérmica e deposita o esperma dentro da cavidade do corpo. O esperma então migra para os ovários da fêmea, embora a fisiologia dessa ação não seja ainda bem compreendida na maioria das espécies. Esse tipo de cópula é rara, mas formas diferentes evoluíram independentemente várias vezes.

Um casal de Cimex lectularius durante a cópula o ato traumático da inseminação. A imagem inserida mostra a orientação do macho (em azul) e fêmea (em vermelho) do percevejo vermelho. Foto: Margie Pfiester.
O macho insere o órgão intromitente no abdome da fêmea machucando-a, os machos evitam fêmeas que já copularam, como elas já estão com o abdome machucado, implica que outro macho já deixou seu esperma por ali.

(A) O órgão intromitente de Cimex lectularius. A ranhura na qual o paramere fica quando não está em uso é visível embaixo do paramere. (Bar = 0,1 mm.) (B) O local da cópula no ventrículo do abdômen da fêmea. O macho sempre copula neste local (o ectospermalege). Essa estrutura recobre diretamente o mesospermalégio no qual os espermatozóides são ejaculados. (Bar = 1,5 mm.) (C) Detalhe do ectospermalege mostrando o encurtamento do esternito da fêmea, que atua como um guia para o órgão intromitente do macho. (Bar = 0,1 mm.) 
As adaptações estruturais e comportamentais que ocorrem variam a depender da espécie. Esse comportamento de inseminação traumática em machos de algumas espécies pode ter evoluído para superar a resistência feminina antes ou depois do acasalamento.

Sepsis cynipsea – (a). órgão entromitentecom espinhos; (b). pontos machucados na genitália da fêmea. Blanckenhorn et al. 2002. Behavioral Ecology
Foto: Blanckenhorn et al. 2002. Behavioral Ecology
Sepsis cynipsea, nessa espécie as fêmeas agitam-se vigorosamente para desalojar os machos que tentam acasalar com ela, o que sugere que fêmeas podem minimizar sua frequência de cópula para reduzir o risco de injúria interna causada pela genitália do macho, o que pode levar a morte da fêmea ou redução da fecundidade.

Recentes estudos sugerem que machos são nocivos para as fêmeas, eles usam uma genitália agressiva para aumentar o sucesso reprodutivo.

Em algumas espécies o custo do acasalamento pode resultar em fêmeas relutantes a acasalar. O comportamento de rejeição das fêmeas também pode apresentar um custo aumentando o risco de predação, gasto de energia. O sistema de acasalamento de Sepsis cynipsea sugere um substancial conflito sexual.

Ainda não está claro a função precisa de uma genitália agressiva. Ela pode funcionar para remover esperma de machos anteriores, por exemplo, zygopteras, ou para injetar diferentes materiais da glândula acessória. Sepsis cynipsea assim como outras espécies tem mostrado um obvio conflito na morfologia genital, fisiologia reprodutiva ou no comportamento de copula.

O macho da espécie Callosobruchus maculatus possuem espinhos no pênis, semelhante a espécie anterior, eles machucam a genitália da fêmea.


Órgão intromitente – Genitália in cópula - pontos de melanização – fêmeas virgens - Crudgington & Siva-Jothy, 2000. Nature
Isso pode ocorrer por duas razões diferentes: no machucado pode ser um efeito pleiotrópico, dos traços benéficos para o macho. Os machos podem se beneficiar da fêmea machucada por alterar seu ótimo de reprodução e incentivo na prole a partir de seu acasalamento. Assim observa-se que essa espécie tem uma vida sexual violenta, e machista, o macho machuca e fêmea e por outro lado a fêmea tenta amenizar o dano chutando o macho.

Acredita-se que o macho ao ferir a fêmea eles asseguram que elas passem mais tempo antes de fazer sexo de novo portanto aumentando o tempo disponível para fertilizar os óvulos com seu esperma, eles vivem uma espécie de corrida armamentista reprodutiva – comportamento explicado pelo conflito sexual. 

Cyphoderris strepitans - Judson, O. 2003
Cyphoderris strepitans, essa espécie apresenta uma armadilha mecânica. Possuem dentes nas costas, uma armadilha para pegar as fêmeas. As fêmeas durante a cópula ficam por cima a fim de juntar os órgãos genitais, a flexão faz os dentes da armadilha fecharem-se na barriga dela, prendendo-a. uma vez apanhada, ela tem que copular com ele quer ela queira ou não. E durante a copula as fêmeas comem pedaços da asa do macho, então as fêmeas preferem machos virgens, porque quando sobe no macho para conferir ela a agarra com a armadilha.


Machos de muitas espécies dão os chamados presentes nupciais para as fêmeas na forma de um petisco durante o ritual de acasalamento. Ela ganha uma refeição e ele aproveita para copular. Quanto melhor o ‘presente”, mais longa a atividade sexual. Mas alguns machos malandros enganam as fêmeas com presentes sem valor, que nem mesmo são comestíveis. O sexo não é tão demorado, mas o macho tem a chance de passar adiante seus genes.

A fêmea só acasala com o macho que lhe der um presente. Rhamphomyia longicauda, o macho procura a fêmea para acasalar com um alimento, o qual será oferecido para a fêmea durante o acasalamento. Os machos que trazem presentes pequenos são punidos, não acasalam por muito tempo.

Xestoblatta hamata (Orthoptera: Tettigoniida) - os machos secretam secreções comestíveis que incluem proteínas e outros nutrientes - após a cópula se banqueteiam nas secreções anais produzidas pelos parceiros. As secreções podem ser comidas oralmente e no mesmo pacote de esperma.

Utetheisa ornatrix o macho passa para a fêmea uma substância que a protege de aranhas. Na borboleta Pieris napi, a fêmea procura machos virgens pois o pacote do espermatóforo é maior, se elas não encontram machos virgens elas tornam-se mais promíscuas ainda.

Há de se pensar que esses machos estão apenas querendo acasalar, mas na verdade eles estão tentando ser bons pais, dando nutrientes essências as fêmeas para que elas incorporem em seus ovos.

O custo e os benefícios da poliandria

Machos podem aumentar seu sucesso reprodutivo, o número da prole, simplesmente por acasalar com muitas fêmeas quanto possíveis. E fêmeas maximizam seu fitness por aumentar o número de ovos viáveis 

Machos estão continuamente envolvidos em novas adaptações conseguindo fêmeas para acasalar com eles preferencialmente do que com outros machos, as fêmeas tentam resistir a essa manipulação. Os interesses das fêmeas de várias espécies buscam indivíduos mais bem posicionados socialmente, preferem aqueles com mais poder e mais belos.

Fêmeas buscam indivíduos que já tenham acasalado – se ele é casado, alguma coisa boa tem para oferecer. Possibilidade de misturar genes diferentes, maiores as chances de obter uma prole segura e saudável. Machos devem ser fortes o suficiente para acasalar com muitas fêmeas, mas as fêmeas geralmente estão dispostas a acasalar indiscriminadamente.

O acasalamento pode ser custoso porque ele tem um efeito sobre a sobrevivência da fêmea ou fecundidade (quando há conflito são geralmente fêmeas que são selecionadas para não acasalar). O aumento na taxa de acasalamento pode ser custoso em termos de gasto de energia, aumentando o risco de predação ou infecção e ainda o dano causado pelo macho, na maioria das vezes. 

Como resultado, exceto em algumas espécies onde o presente nupicial compensa esse custo, a alta taxa de acasalamento será selecionada. Porém observa-se que: poliandria é ampla e bem distribuída, apesar de um considerável custo, incluindo tempo e energia, aumento no risco de predação, doenças, potencial de dano causado pelo fluido seminal e órgão copulatório e mesmo a morte. Apesar do custo associado, fêmeas de diferentes táxons não somente aceitam vários acasalamentos, mas também ativamente solicitam múltiplas cópulas em vários instantes.

Há evidências de diversos potenciais benéficos associados com a poliandria. As fêmeas tem maior potencial do que os machos para influenciar a qualidade da prole. O entendimento das causas evolutivas e consequências do conflito sexual sugerem que uma importante distinção deve ser feita entre o tipo de benefícios para as fêmeas:

A poliandria (quando a fêmea copula com diversos machos) seria uma maneira de tornar a espécie mais resistente a doenças. Para sobreviver e deixar descendentes, o ser vivo precisa geneticamente ter diferenças entre si. Quanto maior o número de parceiros da rainha do formigueiro, maior será o número de descendentes – e assim mais material genético é trocado entre as famílias aumentando as diferenças da espécie.

A batalha dos sexos é travada em duas frentes. Os conflitos de interesse entre machos e fêmeas significam que cada nova arma desenvolvida por um sexo favorecerá traços no outro para contrapor-se a esse desenvolvimento.

Machos estão numa fria quando a promiscuidade feminina põe em risco seus genes, não adianta seduzir todas as fêmeas a vista, se nenhuma delas usa seu esperma. O potencial de promiscuidade da fêmea, contém a do macho e exerce uma poderosa força sobre sua evolução. Assim o macho em vez de maximizar o número de fêmeas seduzidas, o macho deve maximizar o número de ovos fertilizados.
Arnqvist, et al. 2004. Behavioral Ecology
Lembre-se, enquanto a fêmea pode sair ganhando ao acasalar-se com vários machos cada um de seus amantes se sai melhor se ela não se acasalar com ninguém além dele. Sempre que acorre esse conflito de interesse desencadeia uma batalha evolucionária que se trava em duas frentes diferentes.

Foto: Ganeshaiah, 1998. Resonance


Referências
Brown William D. and Barry Katherine L. 2016. Sexual cannibalism increases male material investment in offspring: quantifying terminal reproductive effort in a praying mantisProc. R. Soc. B.28320160656.

Brian Hollis, Mareike Koppik, Kristina U. Wensing, Hanna Ruhmann, Eléonore Genzoni, Berra Erkosar, Tadeusz J. Kawecki, Claudia Fricke, Laurent Keller. 2019. Sexual conflict drives male manipulation of female postmating responses in Drosophila melanogaster. PNAS April 23, 116 (17) 8437-8444.

Laird G, Gwynne DT, Andrade MC. Extreme repeated mating as a counter-adaptation to sexual conflict?. Proc Biol Sci. 2004;271 Suppl 6(Suppl 6):S402-S404. doi:10.1098/rsbl.2004.0198

Dougherty Liam R., van Lieshout Emile, McNamara Kathryn B., Moschilla Joe A., Arnqvist Göran and Simmons Leigh W. 2017. Sexual conflict and correlated evolution between male persistence and female resistance traits in the seed beetle Callosobruchus maculatus. Proc. R. Soc. B.28420170132

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